2016-12-11

"Art is emotion" - the Master speaks!

"I'm never satisfied with the ordinary.
I try to play with the audience like an organ."

Alfred HITCHCOCK

La Dame à la Licorne - O Ouvido

Ouvir um quadro, - a leitura sonora que José Saramago faz da tapeçaria alegórica dos sentidos "La Dame à la Licorne" (séc. XVI): O  o u v i d o.



La Dame à la Licorne” - L'Ouie (O Ouvido).Conjunto de tapeçaria do séc. XVI que ilustra os sentidos.



































O primeiro som, aquele de que todos os outros virão a nascer, filhos, discípulos ou gomos, ou bagos de romã justapostos, ou favos que se respondem como a luz de uma velha entre espelhos paralelos, o primeiro som, em tão grande silêncio nascido que poderia ser a primeira de todas as vagas quebrada sob os nevoeiros e as sombras do mundo recém-criado 
o primeiro som é apenas o da corrente de ar que nos foles do órgão se introduz, 
ou talvez não, 
o primeiro som será o da respiração necessária para que a donzela aia faça o tão pouco esforço de levantar o punho do fole, e neste e nos pulmões o ar circulando com o secreto rumor da seda arrastada na lua, que por longe ser não ouvimos mas sabemos, e sem que percebendo-se percorre o interior das narinas húmidas e vivas, e docemente inflando os pulmões e também a escuridão interior do fole de pele curtida, ainda cheirante ao fartum quente dos gados nos currais ou no chão solto e macio das grandes sestas sob as árvores, e quem sabe se distante contendo o tilintar finíssimo das campainhas dos rebanhos em manhãs também de névoa de um mundo muito mais velho. 
Esse, ou este, ou ambos porque mutuamente se requerem, são o primeiro som. 
A música ainda não se ouve, esta é a última pausa viva, o segundo final de consolação dos afogados que no ponto de morrer revivem: todos os sons estão neste primeiro, e todos são o mesmo silêncio, ou a mesma demonstração da sua impossibilidade. 

Antes, a ponta-de-prata traçou todas as figuras do cartão, criando uma forma de paisagem rumorosa, e também de gente e animais que um cego reteria na memória dos sons, não em sinais identificáveis, mas como uma construção aérea de música concreta, feita de arabescos, de miúdas pausas, de súbitas raspagens, de longas brechas rasgando-se, tal seriam os silvos das espadas cortando o ar, e sempre a respiração calma ou rápida, consoante na superfície do cartão a ponta-de-prata traçasse o largo movimento das saias das donzelas ou afilasse a espiralada defesa do unicórnio.

Muito antes da tapeçaria houve outro primeiro som, este da ponta-de-prata vincando o desenho, guiada pelos olhos e a mão, dando ao traço o seu efémero gêmeo que é o som, só existente em cada momento, como o presente movediço entre um passado que por vivido se cobre de incertezas e um futuro que só simplificadamente pode ser adivinhado.
Fechando nós os olhos, poderíamos pensar que os traços se exprimem sonoramente ao nascerem, ou que, pelo contrário, são os sons que deixam como herança e sinal de passagem, antes de tombarem no silêncio do já acontecido, aquelas mil flores, os animais minúsculos que parecem espantados de serem, as duas graves raparigas, o leão e o unicórnio, o órgão frágil que devagar inspira para fazer nascer outro primeiro som. 

Não precisa o debuxador de manter imobilizados diante de si os modelos que vai fixar no cartão. Em folhas soltas começou por figurar o cordeiro e a raposa, a lebre e o coelho, o lobo e o lebreu, e o pato bravo que, livre ainda, já se retorce e arqueja e grasna e cai porque o falcão vem cortando os ares, ele sim detido no voo por misericórdia do artista, senhor de não querer que num céu coberto de flores façam obra de morte as garras e os bicos. 

Nenhum mal irá acontecer aqui. Os animais esperam pacientemente a música, e deles não virá rumor. Mas em corredores sonoros como cisternas ecoam os passos da dona do solar, ou sua filha, e os pesados tecidos de ouro arrastam sobre as lajes os veludos lavrados, os mantos franjados de peles. O rápido vulto apenas ajuda a memória de rostos claros, de testas arqueadas ainda medievais, de uma gravidade que oculta vestígios certos do demônio, talvez mostrados nos olhos dilatados do leão e no urro sufocado que lhe denunciaria o desejo. Ventos contrários se juntam no desenho para que não sejam deste mundo a bandeira e o estandarte das três luas, no intervalo dos quais haverá de nascer o primeiro som soprado pelos tubos do órgão. 

Porém, recatadas seriam as mãos das damas que de perto ao debuxador se não mostraram nunca, pois as suas próprias, grosseiras de homem, tomou por modelo, e assim no desenho vieram a ficar e depois na tapeçaria, por igual causa das mãos do tecelão. 
A ponta-de-prata desliza no cartão, abrindo um levíssimo suspiro de sombra no limiar da claridade ofuscante do unicórnio. 
Animal macho como o debuxador que vai agora traçar o seu retrato verdadeiro, o seu de si mesmo retrato, na melancolia dos olhos, na dobra vencida dos joelhos, enquanto a defesa longa e aguda, o chifre branco, se ergue para o ar, afastado do objecto do seu desejo. Nos pulsos do debuxador as veias batem, e entre os segredos do peito, como no interior duma gruta, ressoa a insistente pergunta e a fugidia resposta do coração. O chifre branco detém-se no ar e nenhuma donzela gritará nesta hora a sua ansiada dor de mulher. 

Só falta cobrir de flores todo o espaço livre, ir procurá-las aos campos, dispô-las em molhos sobre a mesa, e copiar cuidadosamente, sem invenção acrescentada, as folhagens e as pétalas, macias ou ásperas aquelas, dispostas estas em cachos ou em estrelas, em grinaldas e iluminações. E feito isto, que demorado foi, sobre a tábua se pousará com um rumor claro a ponta-de-prata, agora inútil, como o chifre do unicórnio, mas tendo ela fecundado e ele não. Posto o que será a vez das cores sensíveis, para que o cartão apareça enfim na sua glória de vermelhos e azuis de chumbo, onde o pêlo dos animais e a pele humana declaram uma evidente fraternidade, e onde os verdes se degradam em inumeráveis ecos de azul para que desta maneira se invente outro jardim.
É o tempo de um silêncio para ouvidos humanos, enquanto sobre o mundo raso dos cartões as figuras se ajustam devagar, e as tintas, secando, se contraem murmurantes de inaudíveis crepitações. 

Descem, por necessários, os rebanhos da montanha. O tempo ainda que muito se esperou, acaba por sempre chegar, e neste dia se hão-de desprender do corpo das ovelhas os focos espessos e crespos da lã, caindo ao redor como neve ou branda penugem de ave, enquanto a tesoura morde e estala, rente à pele rósea que estremece. Todo o chão se cobriu de lã, e quando às braçadas a levantam, e depois amontoam, seria silêncio se não ouvíssemos os animais balindo e o insistente rangido da tesoura.
A terra é um murmúrio sem fim, e o vento, que de rajada passa, traz consigo, de longe, ou talvez não tanto, somente do outro lado das árvores, um balançar de flores de linho, leves flores que porventura o debuxador representou no cartão para que nada houvesse de ficar por dizer. 

 In “Poética dos Cinco Sentidos”, Bertand 1979 

"La Dame à la Licorne", exposição de 4 dos elementos do conjunto sobre os Sentidos.













- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 

“Nascimento da palavra, encontro da palavra, recriação do quotidiano numa dimensão estética original (…). Aqui, antes mesmo da primeira palavra, o exercício de congeminação e de captação da pureza inicial se aplica à própria origem do som, e essa relação que já notámos entre o verbo e a formulação do mundo, entretecida de sonoridades e de silêncios, feita primeira acção humana acompanhando o gesto - a manifestação oral. O ouvido, neste texto, mais do que um sentido passivo, articula a apreensão do som com a sua emissão e é esta, na sua complexidade gradual (vital e semiótica), que fundamentalmente cobre o corpo temático do texto. «O primeiro som, em tão grande silêncio nascido», é vibração cósmica, imediatamente canalizada para uma perspectiva humana ou cultural («corrente de ar», «respiração necessária») - e é preciso saber que a motivação pretextual deste escrito se situa na tapeçaria de Cluny que tem o mesmo título, e cujo corpo central, entre as damas, o leão e licorne, é um órgão -, é «um estalido de articulação, um murmúrio de músculos, o que for que seja sair do mundo de contemplar», e por isso indissociavelmente ligado ao gesto (atitude), que afinal lhe confere a essencial significação, que aliás pode ser (como é no texto) o surgimento da música. E Saramago conclui estas páginas com a abertura para os campos semânticos tão do seu agrado como a fundamentação humana da arte, a ideia que a apele e a grande plenitude que é a da satisfação que se segue ao efeito de comunicação: «Falta apenas que uma destas mulheres cante, para uma voz humana diga, por palavras nossas de humanos, o que tão grandes coisas significam. E, tendo-o dito, olhe para nós em silêncio» (final do texto)." 

[SEIXO, Maria Alzira. O Essencial sobre José Saramago. Lisboa: Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 1987, p.25-26]

2016-06-23

Places and States of Mind / Lugares e Estados de Alma

The influence of places upon us is a fact worth remarking. 
If melancholy comes over us by the margin of a great water, another indelible law of our nature so orders it that the mountains exercise a purifying influence upon our feelings, and among the hills passion gains in depth by all that it apparently loses in vivacity.

in "A Woman of Thirty", Honoré De Balzac
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

A influência exercida sobre a nossa alma, pelos diferentes lugares, é uma coisa digna de observação. 
Se a melancolia nos conquista infalivelmente quando estamos à beira das águas, uma outra lei da nossa natureza impressionante faz com que, nas montanhas, os nossos sentimentos se purifiquem: ali a paixão ganha em profundidade o que parece perder em vivacidade.

Honoré de Balzac, in "A Mulher de Trinta Anos"


Painting: Simon Joseph Alexandre Clément Denis, View of Monticelli, near Tivoli, Sec XIX

2016-06-12

Discursos da paisagem - sobre o mar.

A presença do mar traz a tranquilidade suave da passagem do tempo.
O seu som, da contínua rebentação à distância, ou do detalhe cristalino na sua proximidade, e a vista perdida na linha recta do horizonte que só a praia oferece, pacificam a alma.
Entregues a nós próprios e às alterações que ocorrem, a maré, a exposição solar, o tempo passa por nós e nós por ele na paisagem.

Francisco Leal, 2015

The immersive power of the spoken voice.

One of the most immersive introductions of a movie is the one listened on Europa, by Lars Von Trier (1991):

[opening lines]
"You will now listen to my voice.
My voice will help you and guide you still deeper into Europa.
Every time you hear my voice, with every word and every number, you will enter into a still deeper layer, open, relaxed and receptive.
I shall now count from one to ten. On the count of ten, you will be in Europa.

I say: one. And as your focus and attention are entirely on my voice, you will slowly begin to relax.
Two, your hands and your fingers are getting warmer and heavier.
Three, the warmth is spreading through your arms, to your shoulders and your neck.
Four, your feet and your legs get heavier.
Five, the warmth is spreading to the whole of your body.

On six, I want you to go deeper.

I say: six. And the whole of your relaxed body is slowly beginning to sink.
Seven, you go deeper and deeper and deeper.
Eight, on every breath you take, you go deeper.
Nine, you are floating.

On the mental count of ten, you will be in Europa. Be there at ten.

I say: ten."

It has as inspiration the introduction of Lothar and The Hand People - Space Hymn (1969), a psychedelic rock band:








"Now, sit in a comfortable position.
Close your eyes and listen very closely to the sound of my voice.
Imagine that there is nothing but you and the sound.
Floating freely high above the Earth.

Now, as you listen you will begin to relax.
Every sound you hear relaxes you further.
Just you and the sound.
Your arms and legs feel heavy. Very heavy. Like lead.

Every sound takes you deeper and deeper.
Nothing can disturb you.
Every muscle, every part of your body is relaxing further and further as you drift down deeper and deeper.
You are floating away from the sound of my voice but you can still hear it.

Imagine you are riding down an escalator.
Slowly going down farther and farther into deep relaxation.
Feels so good.

Now, I'm going to count backwards from five to zero and on every number you will go another level deeper.
Relaxing more completely on every count until I reach zero.
On zero you go twice as deep.
Backwards from five to zero.
Deeper on every count and on zero, twice as deep.

Five, so relaxed.
Four... Three... Two...
down, down
one... zero...
way, way down.

Imagine you are floating high above the Earth in deep space looking out on the universe.
Floating free in Space. Uplifted and filled with a silent "
Ahh" watching the movement of the stars."

2016-04-28

The ruler of the world / O dono do mundo

 
                               Maestro Daniel Barenboim (AP Photo/Kerstin Joensson) 

There is no more obvious expression of power than the performance of a conductor.
A conductor ranks himself first among the servants of music.
The conductor stands: ancient memories of what it meant when man first stood upright still play an important part in any representations of power.
Then, he is the only person who stands. 
In front of him sits the orchestra and behind him the audience.
He stands on a dais and can be seen both from in front and from behind.
In front his movements act on the orchestra and behind on the audience.
In giving his actual directions he uses only his hands, or his hands and a baton.
Quite small movements are all he needs to wake this or that instrument to life or to silence it at will.
He has the power of life and death over the voices of the instruments; one long silent will speak again at his command. 
Their diversity stands for the diversity of mankind; an orchestra is like an assemblage of different types of men.
The willingness of its members to obey him makes it possible for the conductor to transform them into a unit, which he then embodies.

(...)

Then the conductor appears and everyone becomes still.
He mounts the rostrum, clears his throat and raises his baton; silence falls.
While he is conducting no-one may move and as soon as he finishes they must applaud.
All their desire for movement, stimulated and heightened by the music, must be banked up until the end of the work and must then break loose.
The conductor bows to the clapping hands; for them he returns to the rostrum again and again, as often as they want him to.
To them, and to them alone, he surrenders; it is for them that he really lives.
The applause he receives is the ancient salute to the victor, and the magnitude of his victory is measured by its volume. 
Victory and defeat become the framework within which his spiritual economy is ordered.

During a concert, and for the people gathered together in the hall, the conductor is a leader.

The voices of the instruments are opinions and convictions on which he keeps a close watch.
He is omniscient, for, while the players have only their own parts in front of them, he has the whole score in his head, or on his desk. 
At any given moment he knows precisely what each player should be doing.

He knows not only what each should be doing, but also what he is doing.

Thus for the orchestra the conductor literally embodies the work they are playing, the simultaneity of the sounds as well as their sequence; and since, during the performance, nothing is supposed to exist except this work, for so long is the conductor the ruler of the world.

in "Crowds and Power", by Elias Canetti
Translation: Carol Stewart/The Continuum Publishing Corporation
. . .

Não existe expressão mais concreta da potência do que a actividade do maestro.
O maestro considera-se o primeiro criado ao serviço da música.
O maestro está de pé.
A erecção da pessoa é uma lembrança arcaica que ainda desempenha um papel importante em muitas representações de potência.
O maestro está de pé sozinho.
A sua orquestra está sentada à sua volta, atrás dele está sentada a plateia com os seus ouvintes, apenas ele, de pé, ocupa uma posição marcante.
Encontra-se acima do resto, visível de frente e de trás.
À frente, os seus gestos agem sobre a orquestra, atrás, sobre a plateia.
As suas indicações, propriamente ditas, dá-as com a mão ou com a batuta.
Eis que, mediante um pequeno gesto, de súbito ele desperta e anima tal ou tal voz, e faz calar todas as que quer silenciar.
Tem pois um poder de vida ou de morte sobre as vozes.
Uma voz de há muito morta pode ressuscitar sob as suas ordens.
A diversidade dos instrumentos representa a diversidade dos homens.
A orquestra é como uma assembleia de todos os tipos humanos mais importantes.
A solicitude que mostram em obedecer permite ao maestro tranformá-los facilmente numa unidade, que passa então a representar então para eles, ante todos os olhares.

(...)

Mas eis o maestro.
O silêncio instaura-se.
Ele coloca-se em posição; arranha a garganta para aclarar a voz; levanta a batuta: toda a gente se cala e fica especada.
Enquanto ele dirige, ninguém se deve mexer.

Mal termine, as pessoas são obrigadas a aplaudir.
A necessidade de movimento, despertada e acrescida pela música, deve acumular-se até ao fim, mas explodir nesse momento.
É para as mãos que aplaudem que ele se inclina.
Para elas volta quantas vezes o quiserem.
É a elas que se entrega, mas só a elas, é para elas que vive.
O que assim colhe, é a antiga aclamação do vencedor.
A grandeza da sua victória traduz-se pela intensidade dos aplausos.

Durante a execução, o maestro serve de guia à multidão na sala.

As vozes dos instrumentos são as opiniões e convicções às quais ele dá extrema atenção.
É omnisciente, pois enquanto os músicos apenas têm diante a sua parte, ele tem toda a partitura em mente ou na estante.
Sabe exactamente o que é permitido a cada um a cada instante.

Pelo comando da sua mão, indica o que se faz e impede o que não se deve fazer.

Com efeito, para a orquestra, o maestro representa a obra inteira, na sua simultaneidade e sucessão, e como durante a execução, o mundo deve resumir-se inteiramente à obra, é ele que, durante esse tempo exactamente, é dono do mundo.

 in "Crowds and Power", de Elias Canetti
Tradução: Regina Guimarães/TNSJ

2016-04-27

The Art of Noise - Part 3: Sound Recording Processes

The Art of Noise deconstructed by a Danish experimental radio station:
Part 3 - Sound Recording Processes.
Directors Jonas Bang and Søren Rye got a creative free pass when The Lake Radio asked them to make a series of films that distilled their ethic in audio-visual form.
The Danish duo came up with the idea for this surreal yet educational series of films to chime with the inspiring, educational, surprising sounds that constantly bob up on the radio station itself.


2016-04-26

The Art of Noise - Part 2: Music

The Art of Noise deconstructed by a Danish experimental radio station:

Part 2 - Music. (the most basic elements: pitch/volume/timbre)
"Music is an extremely powerful form of sound."

Directors Jonas Bang and Søren Rye got a creative free pass when The Lake Radio asked them to make a series of films that distilled their ethic in audio-visual form.
The Danish duo came up with the idea for this surreal yet educational series of films to chime with the inspiring, educational, surprising sounds that constantly bob up on the radio station itself.

2016-04-23

Art Of Noise - Part 1: Sound and the Human Ear.

The Art of Noise deconstructed by a Danish experimental radio station:

Part 1 - Sound and the Human Ear.
"Can there be a sound if there's no one to hear it?"

Directors Jonas Bang and Søren Rye got a creative free pass when The Lake Radio asked them to make a series of films that distilled their ethic in audio-visual form.
The Danish duo came up with the idea for this surreal yet educational series of films to chime with the inspiring, educational, surprising sounds that constantly bob up on the radio station itself.


2016-04-03

Sonoplastia - Cenários e Símbolos, Objectos de Percepção e Significação.

A Sonoplastia é a comunicação através do som.
Etimológicamente significa "Modulação de Som" (do Lat. SONO, som + Gr. PLASTÓS, modelado), para criar efeitos sonoros, paisagens sonoras e ambientes musicais.
Abrange todas as formas sonoras, música, ruídos e fala.

Esta comunicação, apresentada no 1º Encontro Nacional de Design Sonoro (ENDS), em Maio de 2014, sob a forma de um Case Study, aborda a elaboração da Banda Sonora para um Desfile do Estilista Nuno Baltazar, Travellers (Primavera/Verão 2009), o conceito da Colecção, do Desfile e os conceitos semióticos e filosóficos implícitos nas opções tomadas na elaboração da narrativa desta Sonoplastia.






Através de toda a floresta tropical humanos e animais usam as chamadas "janelas de som" de modo a transmitirem os seus apelos ou canções com diferentes frequências de som, a diferentes horas do dia. Assim, a floresta tropical pode ser encarada como uma telefonia gigante onde se pode sintonizar a qualquer hora do dia ou da noite diferentes programas de animais ou insectos.

. . .

Throughout the rain forest both humans and animals have used the so called "sound windows" to transmit their calls or songs at different frequencies at different time of day. And so the rain forest can be seen as a sort of giant radio set into wich we can tune at anytime of day or night for a different insect or animal program.

in "The nature of music, part 2 - Songs and Symbols",
by Jeremy Marre



"O olhar é uma janela.

Toda janela tem dois lados que se
comunicam através dela.

Interior e exterior.

Se a paisagem é um olhar, então ela é
o encontro da interioridade de quem vê
e a exterioridade do que é visto, em
meio à corporeidade sensória.

A paisagem pode ser tomada como a
relação entre o espaço e a imagem.
É o encontro entre elas.

É a janela que comunica tais instâncias.

Pinta-se o que se vê ou vê-se o que
se pinta?"


in "Paisagem e Imaginário", de Daniel de Souza Leão

La Condition Humaine, René Magritte

Art of Noise

"Ancient life was all silence. In the nineteenth century, with the invention of the machine, Noise was born. Today, Noise triumphs and reigns supreme over the sensibilities of men.
(...)
Let us wander through a great modern city with our ears more alert than our eyes, and enjoy distinguishing between the sounds of water, air, or gas in metal pipes, the purring of motors ) which breathe and pulsate with indisputable animalism), the throbbing of valves, the pounding of pistons, the screeching of gears, the clatter of streetcars on their rails, the cracking of whips, the flapping of awnings and flags. We shall enjoy fabricating the mental orchestrations of the banging of store shutters, the slamming of doors, the hustle and bustle of crowds, the din of railroad stations, foundries, spinning mills, printing presses, electric power stations, and underground railways."

in "Arte dei Rumori", by Luigi Russolo

. . .

“a vida antiga era só silêncio. No século dezanove, com a invenção da máquina, o Ruído nasceu. Hoje, o Ruído triunfa e reina sobre as sensibilidades do homem.
(...)
Deixemo-nos andar através da grande cidade moderna com os nossos ouvidos mais alerta que os nossos olhos, e deleitemo-nos a distinguir entre os sons de água, ar ou gás nas canalizações, o ronronar dos motores, que respiram e pulsam com animalismo indisputável, a vibração das válvulas, as pancadas dos pistons, o ranger de aparelhos, o estrépito dos carros eléctricos nos carris, o estalar dos chicotes, o esvoaçar de toldos e bandeiras. Devemos gozar a construção mental de orquestrações dos estrondos dos estores das lojas, do bater de portas, a azáfama das multidões, a zoeira das estações de comboio, das fundições, das fiações, máquinas impressoras, centrais eléctricas e do metropolitano."

in "Arte dei Rumori", by Luigi Russolo


Éloge du silence / Elogio do Silêncio

"Le silence, c'est du temps perforé par des bruits.
Le silence est la couleur des événements: il peut être léger, épais, gris, joyeux, vieux, aérien, triste, désespéré, heureux... Il se teinte de toutes les infinies nuances de nos vies. Sans cesse, si on l'écoute, il nous parle et nous renseigne sur l'état des lieux et des êtres, sur la texture et la qualité des situations rencontrées. Lieu de la conscience profonde, il fonde notre regard et notre écoute.
(...)
Artistes, poètes, philosophes, mystiques savent depuis toujours que dans l'attention au silence de la pensée s'enracine toute créativité."

. . .

"O silêncio é o tempo perfurado por ruídos.
O silêncio é a cor das ocorrências da vida: pode ser ligeiro, denso, cinzento, alegre, venerável, aéreo, triste, desesperado, feliz. Colora-se de todas as infinitas tonalidades das nossas vidas... Se o escutarmos, o silêncio fala-nos e elucida-nos constantemente acerca do estado dos lugares e dos seres, acerca da textura e da qualidade das situações que enfrentamos. É o nosso companheiro íntimo, o âmago permanente do qual tudo se liberta.
(...)
Artistas, poetas, filósofos e místicos sempre falaram disso; todos eles sabem que é da atenção que se dá ao silêncio do pensamento que nasce toda a criatividade."


in "Éloge du silence", by Marc de Smedt

.

.

Image de son / imagem de som

"Je veux parler de cette "révolution du son" devenu matière, et même matériau autonome. Voici maintenant le son, par nature éphémère (c'est le plus fugitif des phénomènes), désormais maintenu dans le détail précis de son déroulement temporel, et donc facilement observable, manipulable. Plus nécessairement besoin d’une notation conventionnelle comme "aide-mémoire" approximatif de l'effet résultant du geste instrumental. Et tout d’un coup voilà que s'ouvre la possibilité pour le musicien de rejoindre l'expérience du peintre ou du sculpteur, travaillant directement avec ses mains et avec son corps sur l'œuvre-même."

. . .

"Quero falar dessa "revolução do som" tornado matéria, e até mesmo material autónomo. Eis agora o som, efémero por natureza (é o mais fugitivo dos fenómenos), doravante mantido no detalhe preciso do seu desenrolar no tempo, e portanto facilmente observável, manipulável. Mais obviamente necessitado de uma notação convencional como "auxiliar de memória" aproximada do efeito resultante do gesto instrumental.
De uma assentada eis que se abre a possibilidade ao músico de se juntar na experiência do pintor ou do escultor, trabalhando directamente com as suas mãos e com o seu corpo sobre a obra, ela mesma.


in L’Image de son, by François Bayle

SONOPLASTIA, a radiophonic manifest, 1957:


"Private Dreams and Public Nightmares, a radiophonic poem."

"You take a sound. Any sound. Record it and then change its nature by a multiplicity of operations. Record it at different speeds. Play it backwards. Add it to itself over and over again. You adjust filters, echos, acoustic qualities. You combine segments of magnetic tape. By these means and many others you can create sounds which no one has ever heard before. Sounds which have indefinable and unique qualities of their own. A vast and subtle symphony can be composed from the noise of a pin dropping. In fact one of the most vibrant and elemental sounding noises in tonight's programme started life as an extremely tinny cowbell.

"It's a sort of modern magic.

We aren't calling it 'musique concrète'. In fact we've decided not to use the word music at all. Some musicians believe that it can become an art form itself. Others are sceptical. That's not our immediate concern. We're interested in its application to radio writing - dramatic or poetic - adding a new dimension. A form that is essentially radio.

"Properly used, radiophonic effects have no relationship with any existing sound. They're free of irrelevent associations. They have an emotional life of their own. And they could be a new and invaluable strand in the texture of radio and theatre and cinema and television."


An early BBC experiment in radiophonic sound, predating the establishment of the Radiophonic Workshop, created by Frederick Bradnum and Daphne Oram and produced by Donald McWhinnie.

Sound-houses / Casas de Som

“We have also sound-houses, where we practise and demonstrate all sounds and their generation. We have harmony which you have not, of quarter-sounds and lesser slides of sounds. Divers instruments of music likewise to you unknown, some sweeter than any you have; with bells and rings that are dainty and sweet. We represent small sounds as great and deep, likewise great sounds extenuate and sharp; we make divers tremblings and warblings of sounds, which in their original are entire. We represent and imitate all articulate sounds and letters, and the voices and notes of beasts and birds. We have certain helps which, set to the ear, do further the hearing greatly; we have also divers strange and artificial echoes, reflecting the voice many times, and, as it were, tossing it; and some that give back the voice louder than it came, some shriller and some deeper; yea, some rendering the voice, differing in the letters or articulate sound from that they receive. We have all means to convey sounds in trunks and pipes, in strange lines and distances.”

. . .

"Nós também temos casas de som, onde praticamos e demonstramos todos os sons e como são gerados. (...) Representamos e imitamos todo e qualquer som articulado e letra, e as vozes e as notas dos animais e pássaros. Temos ferramentas que usadas em nossos ouvidos permitem audições com maior apuro. Também temos ecos estranhos e artificiais, que refletem a voz muitas vezes... e alguns que devolvem a voz com volume maior que o original... Também temos como transportar sons através de troncos e canais, por linhas desconhecidas e distantes."


in "New Atlantis", by Sir Francis Bacon.


Written and published in 1624, the‘New Atlantis’ was an original work predicting what life would be like in a “Utopian” world of the future.

Escrito e publicado em 1624, 'New Atlantis' era um trabalho original prevendo como a vida seria num mundo "utópico" do futuro.

.

.
Mercy Sound Studios - Studio A

sobre a Paisagem

"A paisagem já não é a obra de arte, seja o suporte, seja a representação pictórica; mas antes o processo perceptivo que se opera no olhar.
Não é a mão que pinta, mas o olho que selecciona, enquadra, foca e edita, que transforma “land into landscape”."


in "Landscape and Western Art", by Malcolm Andrews

.

.
Simple Story by Yagak

Landscape in music

Landscape (in music) is a conjured place through which the music moves and in which the listener can wander.

. . .

Paisagem (na música) é um lugar evocado através da qual a música se move e no qual o ouvinte pode vaguear.

David Toop, in "Ocean of Sounds"

landscape 1 / paisagem 1

"In the open country.
A small, tumble-down old chapel long ago abandoned.
Near it a well, some large stones which look like old tombstones and an old bench.
A road can be seen leading to GAYEV's estate.
Dark poplar trees loom on one side and beyond them the cherry orchard begins.
There is a row of telegraph poles in the distance and far, far away on the horizon are the dim outlines of a big town, visible only in very fine clear weather.
It will soon be sunset. "

. . .

"Um campo.
Uma velha capela, há muito abandonada, com paredes rachadas;
próximo, um poço, grandes pedras, que aparentemente foram lajes tumulares, e um velho banco.
Pode-se ver uma estrada para a propriedade de Gaev.
De um lado erguem-se álamos, projetando suas sombras; o cerejal começa aí.
À distância uma fila de postes de telégrafo; e longe, muito longe, em traços apagados no horizonte, uma grande cidade, visível apenas quando o ar é bastante límpido.
Em breve, o sol desaparecerá."


in "The Cherry Orchard" (Act Two - Scene One) , by Anton Chekhov
in "O Cerejal" (1ª Cena do Acto II ), de Anton Tchekov

Landscape and photography

The creation of landscape as an artistic concept is, without doubt, the responsibility of painting. Painting made nature a subject, landscape a genre. A genre which crosses the history of culture, both western and eastern. Landscape was created, reproduced, invented and altered by the most famous painters' studios of each period. Nature reflected dramatic, magical and religious aspects but rarely was a landscape painted as it really was, in fact, the vast majority of the most famous landscapes in the history of painting never existed as such. Painting was first based on memory, then on sketches, and eventually the pleinairists set up their easels in the countryside and began to paint what they actually saw....

Painting was to invent an ideal landscape, false, full of different focuses and places, caves and vegetation which never existed, mixing on the canvas elements of memory and desire, of dreams and social needs. The concept of 'picturesque landscape' was being created: A landscape so beautiful that it appeared to be painted, in other words, it was false, a lie. Nevertheless, this idealisation, this conceptual and artistic creation, has become a historical reference point, and what is more, a model for the creation of parks and gardens and for the construction of a culture which is most probably as false as those landscapes which always appeared to us to be so real.
(...)
Today it is photography which is evolving and exploring a genre which is now an idea: landscape. And although rough, wild nature, solitary and excessive, silent and subtle, continues to occupy the minds and objectives of many artists of today, it is without doubt architecture and cities, buildings and streets, vulgar or special, empty or crowded in all sorts of ways, which represents the novel and characteristic landscape of our time and of the photographic language.

Rosa Olivares
Paper Houses

.

.
"Tuscany Land" - Photography by Jaroslaw Pawlak (Poland)

A moldura do Proscénio como Janela

A cena à italiana, concebida segundo os principios da Renascença italiana, é vista como um quadro, composta em função do olhar do príncipe, quer dizer de forma a ser visto de frente com telas pintadas em perspectiva, o chão do palco inclinado, mais baixo à frente, daí haver as coordenadas esquerda baixa, ou direita alta –ao fundo de cena, do lado direito de quem está virado para o palco.


“O progresso nas técnicas de iluminação acelerou a criação da divisão do teatro em dois mundos (...).
Tornou-se possível aos actores afastarem-se até à parte alta do palco e continuarem a ser claramente visíveis da plateia (...).
Retiraram-se progressivamente até poderem actuar como se o público não existisse (...).
O espectador isolado dos seus companheiros pela escuridão torna-se um voyeur.

O espectador senta-se agora, silenciosamente, na sua cadeira olhando para o palco iluminado, como se o fizesse através de uma janela. E o que vê ele? Não o cosmos ou o imenso
mundo, mas o espaço privado de um quarto, ou o jardim privado que é a ‘sala de verão’ de uma qualquer casa de campo.”


in "O teatro à vista", by Carlos Alberto Augusto

A. Meunier, Comédie Française (Paris), 18th century watercolour, 17.4 x 24 cm

écouter...



Il ne suffit pas d'entendre,

encore faut-il écouter...


Music and Color

Kandinsky used color in a highly theoretical way associating tone with timbre (the sound's character), hue with pitch, and saturation with the volume of sound. He even claimed that when he saw color he heard music.

"Color is the keyboard, the eyes are the harmonies, the soul is the piano with many strings. The artist is the hand that plays, touching one key or another, to cause vibrations in the soul. "

Kandinsky

.

.
color symphony - Yellow-Red-Blue, Kandinsky, 1925

A fala dos sinos

O sino fala!
Comunica e informa.
Será, porventura, o mais antigo meio de comunicação sonora à distância ainda em uso nos nossos dias e usado tão massivamente na cultura occidental.

Ao longo dos tempos a sua toada foi percutida em capelas, igrejas e catedrais, em aldeias, vilas e cidades; ecoando através de vales e montes, de praças, ruas e vielas.

Fazendo a chamada à oração no momento da missa, as badaladas do sino anunciam também a morte, festeja casamentos, baptizados e outras festividades do calendário religioso.

À comunidade local avisava também dos perigos guerreiros de ameaça de saque e ocupação, assim como nas emergências de incêndio.

Associado ao mecanismo de um relógio, no séc. XIV, na torre de igrejas e catedrais, passou a informar também as horas do dia, essas badaladas lacónicas da passagem das horas, regulares no seu bater.

Embora associado à religião cristã, mundanamente e em tamanhos mais reduzidos foi adoptado para anunciar a presença de visitantes à entrada de casas e palácios, ou para a reunião no fim da jorna dos trabalhos rurais.

. . .

Music 1

What is music, really?
What happens inside our brains when we listen to music?
Why do certain patterns of sound have an emotional efect on us?


"Words make you think a thought.
Music makes you feel a feeling.
A song makes you feel a thought."


Edgar Yipsel Harburg (1898 - 1981)

Music 2

"A música,
sem dizer nada,
diz muita coisa"


in "Arranha-Céus", de Jacinto Lucas Pires

Music 3

"Nous comptons trois espèces de musique.
La première produit simplement du plaisir, la seconde exprime et provoque des passions, la troisième s'adresse à notre imagination.
La musique naturelle est celle qui produit chez l'homme, en général, un de ces trois effets.
La musique qui revêt à la fois les trois qualités est certainement la plus parfaite."

. . .

"Podemos contar três tipos de música.
A primeira produz simplesmente prazer, a segunda exprime e provoca paixões, a terceira dirige-se à nossa imaginação.
A música natural é aquela que produz, no homem em geral, um destes três efeitos.
A música que possui estas três qualidades em simultâneo é certamente a mais perfeita!"


in "Le Grand Traité de la Musique", by Mohammed Abu Nasr al-Farabi
(philosophe islamique du 10e siècle / filósofo islâmico do séc. X)

La musique réappropriée / A música reapropriada

Bach dans la salle de bains,
l'opéra sur l'autoroute:
la musique "profanée" par l'écoute privée?

Le disque et la radio ont surtout apporté les moyens de faire exister la musique sans la présence réelle des exécutants, et aussi sans la attention même de l'auditeur!

. . .

Bach na casa de banho,
a ópera na auto-estrada:
a música "profanada" pela escuta privada?

O disco e a rádio trouxeram sobretudo os meios que permitem a existência da música sem a presença real dos executantes, e também sem mesmo a atenção do ouvinte!


in "Musiques Médias et Technologies - Mythe de la reproduction", by Michel Chion

Tele-Fonia

Tele-Fonia

space and place / espaço e lugar

"Our epoch is one in which space takes for us the form of relations among sites.
(...)
We do not live in a kind of void, inside of which we could place individuals and things.
We do not live inside a void that could be colored with diverse shades of light, we live inside a set of relations that delineates sites which are irreducible to one another and absolutely not superimposable on one another."

. . .

"Estamos numa época em que o espaço se dá sob forma de relações de lugares.
(…)
Não vivemos numa espécie de vazio, dentro do qual podemos
situar pessoas e coisas.
Não vivemos dentro de um vazio que se pode colorir de diferentes tons de luz, vivemos dentro de um conjunto de relações que definem lugares irredutíveis uns dos outros
e que de forma alguma se podem sobrepor. "


in "Des Espaces Autres", by Michel Foucault

Jerry N. Uelsmann

Echo Chamber, by Goodies